Por Melillo Dinis do Nascimento
Na política brasileira, todos são corruptos, exceto quem não é. Temos histórias! Não somente no campo da política. Há corrupção nos negócios, nos esportes, nas instituições públicas, nas mídias, nas polícias, nas igrejas, e onde mais estiverem presentes dois personagens: um corruptor e outro que aceita ser corrompido. E onde houver uma relação de poder (“O poder é irmão da polícia, que é prima carnal do Estado e de uma cega chamada Justiça” – fala do personagem Lampião no filme “A Luneta do Tempo” e introdução do tema da faixa “A Flauta do Abandono”, no CD do mesmo nome do filme, sob a batuta de Alceu Valença).
No mundo da política, contudo, a corrupção causa terríveis prejuízos. Além de dilapidar o patrimônio público, atrasar o desenvolvimento e enriquecer poucos em detrimento de tantos, a corrupção destrói a própria sociedade, seus valores e suas relações – ao transformar o Estado em um toma-lá-dá-cá perpétuo –, abala a representatividade, esfarela os caminhos da democracia e transforma os poucos recursos em muita confusão a favor de poucos.
Em todos os níveis, a corrupção anda de mãos dadas com o autoritarismo das “autoridades”, a ganância dos fracos travestidos em poderosos e a pouca inteligência dos controles. O curioso, no atual estágio da democracia brasileira, é que aqueles que não se consideram corruptos neste momento, no dia seguinte, podem estar envolvidos em escândalos com falcatruas e em falcatruas sem escândalos.
A família da corrupção tem muitos membros: o suborno, o nepotismo, o fisiologismo, o clientelismo, o patrimonialismo, o familismo, o crime organizado, a lavagem de dinheiro, o enriquecimento ilícito, o favorecimento, as mordomias, a negociata, o caixa dois, o jeitinho brasileiro… Esta família realiza muitos encontros durante o ano, mas adora um período eleitoral ou os dias que antecedem importante decisão burocrática. Há uma tradição persistente neste país de transformar o certo em errado.
O Brasil produziu, a partir da Constituição Federal de 1988, um conjunto de normas e de instituições para ajudar no controle da corrupção. Um exemplo: a partir de 29 de janeiro de 2014, a Lei Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013) entrou em vigor. Com algumas novidades que podem estabelecer uma nova etapa no controle da corrupção. É punida civilmente qualquer pessoa jurídica envolvida em casos de corrupção no Brasil ou no exterior, por meios administrativos e judiciais.
Tratou-se de punir a outra ponta da relação corrupta: o corruptor. Para tanto, a responsabilidade das pessoas jurídicas envolvidas em casos de corrupção é objetiva. O que isto significa? As punições previstas na nova lei não terão a necessidade de comprovação de culpa ou dolo dos envolvidos. Para lembrar, este tipo de responsabilidade é a que está presente no Código de Defesa do Consumidor quando se apura a responsabilidade empresarial por violações à lei. A Controladoria Geral da União, agora com o nome de Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, é um exemplo de instituição que tem tentado propor uma agenda anticorrupção.
Outro exemplo da luta contra a corrupção: a Operação Lava Jato! Ali, uma parcela do Ministério Público e do Judiciário, com apoio da Polícia Federal, vem numa peleja. Ela tem se desdobrado em investigações que têm causado estragos e produzido manchetes e processos mais rapidamente do que conseguimos entender. Ela tem sofrido muitas críticas de todos os lados, mas tem também revelado uma parte dos malfeitos de muitos.
A gestão pública no Brasil ainda exige muito de todos. É preciso investir em “Es”: eficiência, eficácia, efetividade, ética e empoderamento (ou “empodimento”) na condução das políticas públicas. Se uma grande parte os desvios da função pública são decorrentes da corrupção, muitos outros acontecem por conta da ineficiência e da incompetência dos gestores. Mas, há outro fenômeno grave: a corrupção das prioridades (expressão que ouvi pela primeira vez de Cristovam Buarque e depois de Amartya Sen) na opção pelas políticas públicas. É tempo de evitar a maior das corrupções e se investir em questões que favoreçam mais que a alguns dos grupos da sociedade.
É momento histórico, dado a escassez de recursos públicos, de optar-se por prioridades nos gastos públicos em temas que interessam às parcelas mais significativas da população. Muitas das despesas públicas favorecem pequenos setores da sociedade, mas dotados de grande poder político ou econômico, bem posicionados nas relações sociais, que invertem a ideia de decisões para a maior parte da população, em especial aqueles setores mais desfavorecidos.
Duas perguntas finais: (i) a corrupção tentacular no Brasil diminuirá nesta fase da vida brasileira? (ii) as leis vão “pegar” e as instituições vão funcionar? Talvez. É difícil predizer quando o cenário é nebuloso. Mas, creio que as respostas decorrerão diretamente do esforço coletivo para que a realidade mude, respeitando direitos e garantindo deveres. Depende mais da gente que deles!
Melillo Dinis do Nascimento é advogado e analista político em Brasília-DF, professor e pesquisador especialista em Direito Público. Tem formação em outras áreas das ciências sociais (Relações Internacionais e Ciência Política). Diretor desde 2012 do Instituto Brasileiro de Direito e Controle da Administração Pública – IBDCAP, em Brasília-DF, ele atua em movimentos sociais e no Núcleo Política e Formação da Arquidiocese de Brasília